Quando eu era criança, antes dos dez anos de idade, antes de conhecer o melhor desenho do mundo, o Doug, ainda na Tv cultura, assisti a uma série que, se não me engano, chamava-se "Era Uma Vez". Uma produção, sabe-se lá de que tempos remotos, sabe-se lá de que reino distante, que consistia em reavaliar, reinventar e contar famosas histórias infantis, clássicos como "João e Maria", ou "Aladim".
Já naquela época, eu me perguntava o porquê de gastar meia hora do meu dia, em frente da televisão, para presenciar a multilação dos contos de fadas que gostava tanto de ouvir. A coisa toda estava errada, o gênio da lâmpada era um chato, resmungão, não se parecia com o divertidíssimo palhação azul produzido e apresentado pelos estúdios Disney. Além disso, a versão que o seriado trazia acerca das aventuras dos dois irmãozinhos abandonados na floresta, e que eram atraídos por uma casa fabricada a partir de guloseimas, deturpava todo o relato que me haviam feito desde o momento em que comecei a me interessar pelos livros. O original dizia que João devia ser trancafiado numa gaiola de madeira, afim de que comesse, não gastasse energia e portanto, engordasse, para que, só então, fosse cozido pela bruxa. Não havia nada a respeito de transformá-lo em pão, não havia nada sobre outras crianças voltando a si, depois de terem sido massa de trigo. Eu ficava indignado! De onde é que esse povo tirava esse monte de bobagem? Até ontem não sei.
Em verdade, nunca me preocupei em saber. Melhor, nunca mais pensei na série, nunca mais, a não ser hoje. Na hora do almoço, estava rodando os canais a cabo aqui de casa, quando me deparei com a pouco amistosa encenação. A bola da vez era a fábula de Chapeuzinho Vermelho. Uma Chapeuzinho adolescente, com interesses amorosos e tal. Não... O interesse amoroso não era referente ao lobo, e sim a um jovem, Chris, com cara de bobo. No roteiro criado para esta filmagem, foi o rapaz quem salvou a vovó e a garota de dentro da barriga da fera, não mencionaram o desconhecido lenhador que aparecia somente no final. E para piorar, Chapeuzinho não tinha mãe, tinha um pai. Um pai bastante irresponsável, porque, segundo o que eles mesmos afirmaram, o sujeito estava ciente da presença de animais perigosos a solta no bosque, porém, ainda assim, permitiu que sua filha andasse sozinha por ali. Ok, admito, isso não é crítica que se faça, pois não existe Chapeuzinho Vermelho, se não houver um adulto temerário.
Entretanto, o que mais impressionou foi o fato de que, quinze anos passados, lá estava eu, de olhos atentos no aparelho televisor, prestando toda atenção a reedição do conto, sem, contudo, aprová-la. Nessa ocasião, todavia, entendi os motivos pelos quais o produto me prendia. Não importa o quão tenha achado estranho escutar a voz em Português de Catherine Willows (CSI), numa menina vestida com uma capa, permaneci firme, sentado no sofá, experimentando aquele medinho novamente.
O dublador do lobo quebrava a voz, numa interpretação exagerada, nas cenas em que engolia suas vítimas, mas aquele som acionou em mim um interruptor quase esquecido, um que se aciona quando vou visitar um parque de diversões, por exemplo. Desce o carrinho da montanha-russa, sua rampa mais alta, e batata, lá vem ele. Uma mistura de excitação e pavor é disparada nas veias da gente.
É certo que seja tolo passar por isso vendo um monstro tão pueril quanto o malvado contra a garota de capuz, porém, diferente do que acontecia comigo enquanto criança, não vou ter dificuldades em dormir ao recordar dos já ditos ruidos, o que houve, o que me fez escrever esse post, foi a circunstância, a cadeia que se montou no instante em que reconheci o programa, uma cadeia de sentidos, mas, uma cadeia controlada. E aqui está o meu ponto de discussão.
Dentro do vagão num dos trilhos de um dos brinquedos do Play Center, você simplesmente se permite. Você grita, você perde vários centímetros do seu pudor social, você libera energia, descarrega tensões, alivia o espírito. Eu, na sala de casa, comecei o caminho no mesmo lugar, peguei uma bifurcação e retornei a ele, coisa que se dá no caso anterior, apenas se deixar seu assento e logo em seguida retomá-lo.
Passei por estágios diversos a medida em que a história prosseguia. Primeiro, lembrei que sentia medo das situações ali descritas, depois, a memória me trouxe as sensações físicas que o medo me proporcionava, o frio na barriga, o gelo nas mãos. Em seguida, além de recordar, passei a sentir tudo de novo, porém, passei a sentir de uma maneira incomum. Era como se eu, quando cansasse, fosse capaz de cancelar tudo de um segundo para o outro, e de verdade, eu fui.
Achei muito divertido ter o poder nas mãos, achei divertido ter plena consciência do que sentiria no momento após aquele que se encerrava. Não sei dizer se isso é algo que se passa com todo mundo, e comigo só se passou antes enquanto estive no teatro, estudando. Aliás, para Stanislavski isso tem nome, chama-se "memória emotiva". É ela quem serve um ator, é ela quem dá ao personagem sua cara de ser vivo. Mas, como se sabe por aí, ela pode acabar se transformando numa armadilha, ela pode tomar conta de tudo, pode fazer se perder aquele que não aprender a controlá-la. Estou aprendendo a tomar conta da minha, fiquei orgulhoso de mim mesmo.
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